Documento da CIA realoca Geisel na história brasileira
Novos documentos surgirão, por mais que a negociação diplomática entre Brasil e EUA seja delicada, diz professor
Por Redação - Editorias: Atualidades, Rádio USP, Jornal da USP no Ar
Entrevista 1: Marcos Napolitano, do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas
Entrevista 2: Ivo Herzog, Instituto Vladimir Herzog
A repercussão do documento da CIA que revela a conexão entre Geisel e a execução de opositores do regime militar tem implicações historiográficas e jurídicas, afirma Marcos Napolitano, professor do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. Apesar de não mudar radicalmente a orientação de análise de muitos historiadores, o memorando é uma prova da conexão entre palácio, quartéis e porões durante o período ditatorial, completa o professor.
Napolitano conta que boa parte dos historiadores não aceita a versão de que Geisel representou uma marcha inequívoca em direção à democracia. Para eles, o governo do ex-presidente é entendido mais como um período de institucionalização do autoritarismo e preparação para um possível futuro governo civil. A revelação, no entanto, serve para que haja uma revisão do lugar de Geisel na história do Brasil e para que se forme uma memória diferente da consolidada, de suposta abertura política.
Ainda do ponto de vista historiográfico, o professor não vê com espanto a busca por arquivos que pretendem resgatar a história nacional em outros países pelo mundo. Napolitano justifica, dizendo ser sabido que os Estados Unidos apoiaram o golpe de 1964 e treinaram os interrogadores e torturadores brasileiros, dentro da lógica de combate ao comunismo e da doutrina de segurança nacional. Além dos EUA, pesquisas recentes comprovam a participação importante da França na ditadura militar brasileira, com sua doutrina contra-insurgência. Do ponto de vista político e jurídico, sim, é espantoso que seja necessário recorrer a outros países para uma revisão e reabertura da discussão sobre o passado, avalia Napolitano.
Foto oficial de Ernesto Geisel,
presidente do Brasil entre 1974 e 1979
– Foto: Governo do Brasil via Wikimedia Commons / Domínio público
O professor acredita que outros documentos ainda surgirão. O próprio memorando ainda tem 20 linhas tarjadas, mas não se sabe se a integralidade do conteúdo será disponibilizada pelos Estados Unidos. A embaixada do Brasil em Washington solicitou o acesso a outros documentos da CIA produzidos à época. A negociação em curso entre governos brasileiro e norte-americano é muito delicada, avalia Napolitano, já que envolve muitos nomes, conexões internas e internacionais, com possíveis implicações diplomáticas e jurídicas importantes.
Marcos termina dizendo que, apesar de seu desejo, não vê o cenário brasileiro como propício para uma revisão da Lei da Anistia. Ele diz estar em curso um avanço perigoso do conservadorismo no país. A impunidade decorrente daquela época reforça a prática de violência policial dos dias atuais. Sem a revisão, contudo, fica difícil a consolidação dos direitos humanos no Brasil.
Nesta terça-feira o Jornal da USP no Ar conversou com Ivo Herzog, fundador do Instituto Vladimir Herzog e filho do jornalista morto na ditadura militar, que pediu ao governo brasileiro que o acesso a outros documentos da CIA fosse solicitado ao governo norte-americano. Ouça a íntegra da entrevista no áudio acima.
Jornal da USP no Ar, uma parceria do Instituto de Estudos Avançados, Faculdade de Medicina e Rádio USP, busca aprofundar temas nacionais e internacionais de maior repercussão e é veiculado de segunda a sexta-feira, das 7h30 às 9h30, com apresentação de Roxane Ré.
Você pode sintonizar a Rádio USP em São Paulo FM 93.7, em Ribeirão Preto FM 107.9, pela internet em www.jornal.usp.br ou pelo aplicativo no celular. Você pode ouvir a entrevista completa no player acima.
Fonte: Jornal da USP, 16/05/2018
Disponível em: https://jornal.usp.br/atualidades/documento-da-cia-realoca-geisel-na-historia-brasileira/
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