Henfil cresceu na periferia de Belo Horizonte, onde fez os primeiros estudos, frequentou um curso supletivo noturno e estudou sociologia na Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). No caminho, ele foi ainda embalador de queijos, contínuo em uma agência de publicidade e jornalista, até especializar-se, no início da década de 1960, em ilustração e produção de histórias em quadrinhos. Era irmão do sociólogo Herbert de Sousa, o Betinho, também já falecido, e do músico Francisco Mário, o Chico Mário. Tinha ainda outras cinco irmãs.
CARREIRA
Sua estreia como ilustrador ocorreu em 1964, a convite do editor e escritor Robert Dummond, que começou a trabalhar na revista “Alterosa”, da capital mineira, onde criou “Os Franguinhos”. Um ano depois, passou a colaborar com o jornal “Diário de Minas”, produzindo caricaturas políticas. Em 1967, criou charges esportivas para o “Jornal dos Sports, do Rio de Janeiro. Também teve seu trabalho publicado nas revistas “Realidade”, “Visão”, “Placar” e “O Cruzeiro”. A partir de 1969, passou a colaborar com o “Jornal do Brasil” e “O Pasquim”.
Nessas publicações, seus personagens atingiram grande nível de popularidade. Já envolvido com a política do país, Henfil criou, em 1970, a revista Fradim, que tinha como marca registrada o desenho humorístico, crítico e satírico, com personagens tipicamente brasileiros. Além dos fradinhos Cumprido e Baixim, a revista reuniu a Graúna, o Bode Orelana, o nordestino Zeferino e, mais tarde, Ubaldo, o paranóico.
Henfil se envolveu também com cinema, teatro, televisão (trabalhou na Rede Globo, como redator do extinto programa “TV Mulher”) e literatura, mas ficou marcado mesmo por sua atuação nos movimentos sociais e políticos brasileiros.
INFLUÊNCIA
Chargista da Folha da Região, o cartunista Antônio Nicolielo tem lembranças de Henfil. “O Henfil foi meu contemporâneo. Conheci-o. Morei em São Paulo, no fervo da política e da charge e sempre estive com o Ziraldo, o Betinho, toda aquela gente. Nós nos reuníamos e debatíamos os temas mais quentes. Era assim, cada um na sua, mas havia o respeito e a convivência profissional”, conta.
Para o cartunista carioca Carlos Amorim, que teve o chargista como referência no início de sua carreira, Henfil “era fantástico na parte profissional, no engajamento político”. E emenda: “Extremamente inteligente e ácido, era um cara que influenciava as pessoas, mas não tinha essa pretenção”.
Há 34 anos como cartunista, Amorim conta que “queria ser Henfil”. “É uma profissão que não tem faculdade e você escolhe seus professores, e como o Henfil saía diariamente aqui no (jornal) ‘O Globo’, ele era minha maior referência”, relembra o cartunista, que viu seu ícone apenas uma vez, em um evento no Rio e, devido à já agravada doença, preferiu poupá-lo do assédio de iniciante.
“A coisa mais importante do Henfil, além da criatividade e do traço é que o desenho dele tinha vento. Você via o desenho se mexer. É algo incrível”, explica Nicolielo. Ele também destaca a personalidade satírica e gozadora de Henfil. “Ele tinha uma posição política marcante. Sempre foi referência. Não se pode falar em charge e análise política, naquele período, sem falar dele. Ele marcou uma geração, uma época.”
ATIVISMO
Henfil dedicou as últimas décadas de sua vida à defesa do fim do regime ditatorial pelo qual o Brasil passou, entre as décadas de 1960 e 80. Uma série de cartuns de Henfil bastante conhecida foi “O Cemitério dos Mortos-Vivos”, em que “enterrava” personalidades públicas que, na opinião do cartunista, eram favoráveis à ditadura.
Além de empresários, Henfil atacou pessoas como Roberto Carlos, Pelé e Tarcísio Meira. Em 1972, quando Elis Regina fez uma apresentação para o exército brasileiro, Henfil publicou em “O Pasquim” uma charge enterrando a cantora. Anos mais tarde, o cartunista disse que se arrependia apenas de ter “enterrado” Clarice Lispector e Elis Regina.
Ele tentou seguir carreira nos Estados Unidos, onde passou dois anos em um tratamento de saúde. Como não teve lugar nos tradicionais jornais estadunidenses, sendo renegado a publicações underground, Henfil escreveu seu livro "Diário de um Cucaracha". De volta ao Brasil. ele também fez participação da revista “Isto É”, em que escrevia a coluna “Cartas da Mãe”.
Para Amorim, o trabalho de Henfil no período militar foi o de uma voz ativa dentro das manifestações anti-militarismo. “Como na época da ditadura você não tinha oposição, tudo que se falava diferente era oposição. Com a democracia, ele certamente não ficaria calado e se oporia a tudo”.
Escritos misturavam reflexões rápidas
Os escritos de Henfil eram anotações rápidas. Não eram propriamente crônicas, mas um misto de reflexões rápidas, assim como seus traços ligeiros dos cartuns. Em suas “Cartas à mãe” — título comum em que escrevia sobre tudo e todos, muitas vezes atirando como metralhadora, usando um tom intimista do filho que realmente fala com a mãe — ao tempo em que criticava o governo e cobrava posições das personalidades.
Em “Diário de um Cucaracha”, por exemplo, Henfil narra sua passagem pelos Estados Unidos, onde tentou “fazer a América, sonho de todo latino-americano que se preza” (segundo ele próprio). A obra traz um quadro em que o cartunista relata o choque cultural que experimentou, a reação vigorosa do público norte-americano aos seus personagens, classificados como agressivos e ofensivos.
Tudo isso foi escrito em capítulos pequenos, no tom intimista de quem dialoga não com um leitor anônimo, mas com um amigo ou conhecido. No ano de 2009, seu único filho criou o Instituto Henfil.
MORTE
Após uma transfusão de sangue, contraiu o vírus da AIDS. Faleceu vítima das complicações da doença no auge da carreira, com seu trabalho aparecendo nas principais revistas brasileiras.
Fonte: Hugo Rocha, Folha da Região, 5/1/2018
Disponível em: http://www.folhadaregiao.com.br/ara%C3%A7atuba/trinta-anos-sem-henfil-1.382552
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