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“Falta reportagem na TV”, diz Rose Nogueira, homenageada do Prêmio Vladimir Herzog
Marina Oliveira | 28/08/2017 08:09
Em conversa com o Portal Imprensa, ela lembrou sua trajetória, falou sobre a admiração à profissão e ponderou sobre o jornalismo atual; Dom Paulo Evaristo Arns e o jornalista Tim Lopes dividem com Rose as homenagens desta edição.
“Eu tô entrando no banho, podemos falar mais tarde?”, assim uma agitada Rose Nogueira atende ao pedido de entrevista do Portal Imprensa para comentar a homenagem recebida na 39.ª edição do Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos, que acontece dia 31 de outubro, em São Paulo.
Crédito: Memórias da Ditadura
Crédito: Memórias da Ditadura
Horas mais tarde, na terceira investida, conseguimos conversar com calma. Rose recebia um grupo de estudantes de jornalismo em sua casa e alertou que estávamos sendo gravadas. “É bom que elas já usam minhas respostas, vamos lá”, disse a jornalista aposentada há quatro anos, depois de mais de 50 dedicados ao ofício da notícia e dos direitos humanos.
Rose lembrou os tempos de TV Cultura e o amigo Vladimir Herzog. “Quando recebi a ligação para dizer que eu seria homenageada, eu tremia tanto, nunca imaginei e olha que sou amiga da Clarice [esposa de Vlado]. Eu espero ter honrado as áreas dos Direitos Humanos e do jornalismo. Quando fui para a Cultura em 1973, já tinha quase 10 anos de imprensa, mas não entendia nada sobre movimento, quem me ensinou tudo foi o Vlado”, lembra.
Na época, era ele quem fechava o jornal e profetizou: “você leva jeito, menina”, palavras que Rose guarda com muito carinho. “O Vlado salvava a matéria e com ele aprendi a cortar, respeitar a respiração do entrevistado. Ele era super rigoroso, quando ele chegava todo mundo parava de fofoca e se punha a trabalhar. Ele foi um grande amigo que perdi, como tanto outros”, lamenta a jornalista que passou nove meses detida no presídio Tiradentes, em São Paulo onde, afastada de seu filho de apenas um mês, foi duramente torturada durante o regime militar.
Por ousadia de Vlado, ela cobriu a Revolução dos Cravos, em Portugal. “Sem ele e Gabriel Romero não teríamos feito isso, na época só a [Sandra] Passarinho cobria internacional assim”, comenta. Além da Cultura, Rose também passou pela “Folha da Tarde” e a “Editora Abril.
Foi ousando, conforme ensinou Vlado, que ela acabou trabalhando com Nilton Travesso na TV Mulher, da Rede Globo. “Falávamos em feminismo por um veículo de comunicação de massa. A TV Mulher foi a oportunidade que eu tive de trabalhar com linguagem. A TV interfere na vida das pessoas e elas devolvem o que veem à sociedade. Acham que é um veículo de mão única, mas não é”, defende.
Rose se diverte ao lembrar da ocasião em que mandou uma censora “ir tomar banho”. “A censura era prévia, eu tinha que mandar os temas que traríamos na TV Mulher com uma semana de antecedência. Eu enviava bobagens, como ‘vestidos de casamento’ e na hora íamos no factual. Um dia ela disse que não mantive a pauta e eu falei pro rapaz que veio me dar a advertência: diga pra ela ir tomar banho, é uma vergonha ela ser mulher e fazer esse papel”, recorda rindo.
Conquistas divididas
É com carinho e saudade que Rose fala sobre os colegas com quem dividiu a caneta, a câmera e o microfone. “Fernando Pacheco Jordão, Fernando Morais, Gabriel Romero, Luiz Fernando Mercadante, Nilton Travesso, Henfil”, recorda. Em outubro, durante a 39.ª edição do Prêmio Jornalístico Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos, mais uma vez vai compartilhar os louros de uma vida de trabalho, agora, com os saudosos Dom Paulo Evaristo Arns e Tim Lopes.
A premiação tem o objetivo de estimular, reconhecer e homenagear jornalistas que, por meio de seu trabalho, contribuem para a promoção dos Direitos Humanos e da Democracia, e se destacam na defesa desses valores fundamentais.
Dom Paulo, morto em 2016, foi figura de grande importância na época da ditadura, enfrentando os militares a favor dos jornalistas e outros cidadãos. “Ele era um sopro de carinho, bondade e justiça acima do que estávamos acostumados. Ele foi um santo, nunca perdeu a perspectiva de ser um soldado da sociedade”, lembra com carinho.
Sobre o colega Tim Lopes, assassinado em 2002 durante a realização de uma reportagem sobre o tráfico de drogas no Complexo do Alemão, ainda que não o conhecesse pessoalmente, Rose rasga elogios. “O Tim foi um exemplo de jornalista. Era um repórter completo, sempre soube do excelente trabalho que ele fazia e, infelizmente, morreu justamente atuando”, pondera.
Jornalismo e sociedade
“A primeira aula de jornalismo não deveria ser ‘quem’, ‘como’, ‘quando’, ‘onde’ e ‘por quê’, mas sim: ‘eu sei’, ‘você sabe’ e ‘ele não sabe’”, brada Rose ao engrossar o coro às críticas das coberturas atuais, em especial a da Operação Lava Jato. “Acredito que a TV está perdendo audiência pela martelação das mesmas palavras: corrupção e delação. Isso tinha que estar na editoria de polícia. Uma matéria tem três ou quatro lados e temos dado apenas um só”, pondera.
Ainda que compreenda as dificuldades pelas quais passam as redações, Rose é crítica com relação a forma como se tem feito jornalismo e defende que a informação precisa ser democrática e chegar a todos os públicos. “É ano de crise, redações reduzidas, salários achatados, demissões de companheiros de alta qualidade e a gente sofre com isso, é claro. Mas daí, vem o cara do Ministério Público, fala alguma coisa e ninguém questiona. Espera apenas um release ou vazamento”, aponta.
“Na época da ditadura, as redações não tinham as ferramentas que se tem hoje. Existe muito mais acesso pra escrever uma matéria, o jornalista está mais bem preparado, mas às vezes, parece que o mais importante é o cara do MP, o vazamento etc.”, critica.
O que tem tirado o sono de Rose ultimamente, que não perde a oportunidade de ligar para os companheiros para elogiar ou reprovar os telejornais, é a escassez de grandes reportagens. “Os programas estão reduzidos, você coloca as pessoas conversando no estúdio e cadê as matérias? Parece que você é obrigado a se informar em outro veículo para só daí poder assistir ao jornal, que só tem comentários. Falta reportagem na TV”, diz.
A crítica vai ainda mais longe, Rose acredita que o sigilo à fonte, muitas vezes, acaba por tornar a prática jornalística um tanto preguiçosa. “O comentarista diz: eu estive hoje com uma autoridade e ele me disse isso e isso. Ora, se ele esteve com a autoridade, por que não gravou? De repente o repórter fica mais importante que o entrevistado e a noticia”, explica.
Na visão de Rose, os comentaristas de estúdio ajudam a fomentar o sentimento de intolerância presente na sociedade, pois em sua visão, “ninguém analisa o fato, o comentário já vem pronto. Coisa que jornalista mais gosta é outro jornalista e eu entendo que, de repente, alguém descobriu do ponto de vista empresarial que é mais rentável e seguro tê-los no estúdio. Mas defendo a volta das grandes reportagens, matéria que tem suíte, toda matéria tem repercussão e gera fato novo”, defende.
Para ela, vivemos tempos sombrios e é preciso voltar a pensar na profissão com carinho. “Ser jornalista é a coisa mais bonita do mundo e a palavra mais importante hoje no jornalismo é humanização. Não tem notícia sem gente. É preciso questionar a notícia: do ponto de vista humano, o que é que isso representa?”, conclui.
O 39º Prêmio Jornalístico Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos acontece dia 31 de outubro às 20h no Tucarena, em São Paulo. A divulgação dos vencedores será realizada dia 9 de outubro na Sala Oscar Pedroso Horta a partir das 10h e terá transmissão ao vivo pela internet, pelo site da Câmara dos Vereadores. Mais informações sobre o prêmio, em sua página oficial.
Fonte: Carta Capital, 28/08/2017
Disponível: http://portalimprensa.com.br/noticias/brasil/79523/falta+reportagem+na+tv+diz+rose+nogueira+homenageada+do+premio+vladimir+herzog
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