Família de radialista preso durante a ditadura luta por reparação financeira
Jalmir Fernandes, filho de Ismail, luta por indenização do governo - Marco Santiago/ND
PAULO CLÓVIS SCHMITZ, Florianópolis
14/07/2017 14h18 - atualizado em 15/07/2017 às 12H15
Um caso que mereceu destaque durante e após a ditadura foi o do radialista e jornalista Ismail Fernandes, preso 12 vezes no Rio Grande do Sul, sua terra natal, em São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. O profissional, sempre batendo de frente com o regime, ganhou notoriedade por ser um dos defensores de primeira hora de Leonel Brizola e João Goulart, o Jango, presidente deposto em 31 de março de 1964.
Militante do PTB e funcionário do Departamento de Correios e Telégrafos na cidade portuária de Rio Grande, ele foi detido ainda antes do golpe por tentar repassar aos dois políticos informações em primeira mão que recebera no trabalho. Hoje, seus familiares ainda correm atrás da reparação financeira a que julgam ter direito. Um dos filhos do jornalista, o chefe de cozinha Jalmir Gibbon Fernandes, 57 anos, mora em Florianópolis.
Preso quando ia transmitir a mensagem, Ismail Fernandes foi torturado na frente da mulher e dos filhos, pois a família morava no mesmo prédio dos Correios. Segundo Jalmir, que tinha quatro anos em 1964, esta e outras agressões, inclusive quando sua mãe estava grávida do irmão mais novo, causaram traumas irremediáveis em todos, a ponto de esfacelar para sempre a harmonia familiar.
A casa foi violada e depois incendiada e a sobrevivência passou a depender de cestas básicas doadas por amigos e colegas do jornalista. Ismail morreu aos 62 anos, em 1992, rogando ao filho que continuasse sua luta pelo Estado de Direito. Sua mulher Eta morreu depois, em 2013, já com os filhos afastados e alguns deles irreconciliáveis entre si, por problemas psicológicos e por disputa de herança dos bens paternos.
“Eu estava no colo de meu pai quando começaram a torturá-lo”, conta Jalmir. Por causa de um pontapé, um irmão mais velho, então com oito anos, teve traumatismo craniano. Depois de uma semana internado, Ismail voltou à redação do jornal “Última Hora”, de Rio Grande, onde era redator e chefe de pauta. Os agentes quebraram a redação do periódico e, culpado pelo proprietário, o jornalista foi demitido.
Depois disso, passou por emissoras de rádio locais e de Porto Alegre e dirigiu sindicatos da categoria. “Até o presidente Castelo Branco ameaçou meu pai ao chegar à capital gaúcha, mas ele resistiu, era corajoso”, conta Jalmir. Por causa de suas ideias, outras prisões se seguiram, até porque ele insistia em publicar as fotos de seus torturadores.
Para manter os sonhos do pai
Em outra oportunidade, Jalmir Fernandes viu o pai sendo preso e agredido na frente da prefeitura de Porto Alegre. “Por causa das frequentes demissões, a família passou por dificuldades financeiras, e em todos os empregos que arrumou meu pai foi prejudicado pelos que queriam se vingar de sua militância”, conta o filho. Uma vez, Ismail chegou a ser colocado no navio Carnópolis, lotado de presos políticos, que saiu do Sul do país e seguiu para o Rio de Janeiro.
“Em Santos, meu pai foi jogado no mar, a dez quilômetros da costa, e se salvou porque sabia nadar”, relata Jalmir. A última prisão foi em Canoas (RS), durante um churrasco em família, em 1970, com agressões testemunhadas por todos os vizinhos.
Convidado pelo governador Jair Soares para trabalhar com ele, Jamil recusou a proposta porque o partido do mandatário era a Arena, alinhada com os militares. Também se negou a ocupar cargos públicos e perdeu a vontade de viver quando um pedido de indenização pelos danos físicos e psicológicos dele e da família foi negado pelo STF (Supremo Tribunal Federal). “Ele morreu com sequelas das torturas, e minha irmã sempre culpou o pai pelos problemas da família”, recorda Jalmir. Depois, a indenização foi deferida, mas até hoje o Ministério do Planejamento não autorizou o pagamento.
No momento, além da indenização pelas torturas impostas ao pai, Jalmir Gibbon Fernandes é autor de outro processo contra o Estado brasileiro como vítima, por ter presenciado a tortura e ser afetado pelas consequências traumáticas das perseguições. Em Santa Catarina, ele apoia os movimentos dos sem-teto e dos indígenas, porque quis seguir o conselho dado pelo pai antes de morrer.
“Vivi quase como um mendigo, mas consegui montar o processo e ainda espero o resultado”, afirma, dizendo que já teve depressão e precisou de ajuda psiquiátrica para dar a volta por cima. “Tinha que prosseguir e honrar a história de meu pai para as próximas gerações”, ressalta.
Fonte: Notícias do Dia, 14/07/2017
Disponível: https://ndonline.com.br/florianopolis/noticias/familia-de-radialista-preso-durante-a-ditadura-luta-por-reparacao-financeira
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