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A Casa que ainda atormenta a história de Petrópolis

  • Publicado: Quinta, 06 de Abril de 2017, 18h12
  • Última atualização em Quinta, 06 de Abril de 2017, 18h54

 

 

Por Guilherme Freitas Gomes*

 

O nosso país passou por uma fase obscura em nossa história: a Ditadura Civil-Empresarial-Militar, que marcou de forma vergonhosa a segunda parte do século XX no Brasil, com ações violentas por parte do Estado Brasileiro que possuía fortes ligações com setores conservadores e empresariais vinculados ao imperialismo norte-americano.

Petrópolis foi uma cidade estratégica naquele momento histórico, por possuir estradas que ligam Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, e caminhos para Brasília, além de proximidade a importantes cidades do interior destes três estados.

Durante o período dos anos de chumbo, os setores militares - que na época controlavam o nosso país por meio da ditadura - instalaram diversos centros clandestinos de tortura. Um deles foi na cidade de Petrópolis.

Esta casa, localizada à Rua Arthur Barbosa, n° 120 e nº658-A - Centro (atualmente Rua Arthur Barbosa, nº 50 - Caxambú) ficou nacionalmente conhecida como a "Casa dos Horrores" ou a "Casa da Morte". Este apelido faz relação com o fato de todos os chamados à época "subversivos" que ali entravam, nunca mais saíam. Pelo menos não vivos. A única sobrevivente que se tem notícia foi Inês Etienne Romeu, militante da VAR-Palmares (Vanguarda Armada Revolucionária - Palmares) - grupo que participou do sequestro do embaixador da Suíça, Giovanni Bucher. Inês somente conseguiu sobreviver porque fingiu concordar com dois de seus algozes em trabalhar como infiltrada para o Centro de Informações do Exército. A casa atualmente é considerada por historiadores como o pior porão montado pelo regime militar, durante o período da ditadura.

Palavras de Inês em depoimento sobre sua “estadia” na casa não deixam dúvidas sobre o quanto violento era o regime: "Chegando ao local, uma casa de fino acabamento, fui colocada numa cama de campanha, cuja roupa estava marcada com as iniciais C.I.E. (Centro de Informações do Exército),... Imediatamente ‘Dr. Cesar’ (codinome) passou a chutar minha perna machucada... torturaram-me quase que ininterruptamente. Quando não me submetiam a torturas físicas, destroçaram-me mentalmente... aplicaram-me na veia uma droga qualquer, dizendo ser o soro da verdade... arrastou-me pelo chão, segurando-me pelos cabelos. Depois, tentou estrangular-me e só me largou quando perdi os sentidos... deram-me pancadas na cabeça... colocavam-me completamente nua, de madrugada, no cimento molhado, quando a temperatura estava baixíssima... Fui várias vezes espancada e levava choques elétricos na cabeça, nos pés, nas mãos e nos seios... Por não ter me matado (através de um suicídio forçado), fui violentamente castigada: uma semana de choques elétricos, banhos gelados de madrugada, ‘telefones’, palmatórias. Espancaram-me no rosto, até ficar desfigurada... Durante este período fui estuprada três vezes por ‘Camarão’ e era obrigada a limpar a cozinha completamente nua, ouvindo gracejos e obscenidades..."

Além de Inês Etienne, outros 22 presos políticos teriam morrido ou desaparecido (de acordo com depoimentos), depois de passar pela Casa da Morte, são eles;

David Capistrano Costa, Militar, fez parte do Partido Comunista Brasileiro (PCB). Participou da Aliança Libertadora Nacional (ALN) e da revolta de 1935. Foi preso e levado para o Presídio de Ilha Grande, de onde conseguiu fugir a nado. Em 1961, após a renúncia de Jânio Quadros, foi preso novamente por participar de movimentos democráticos. Com o golpe de 1964, passou a viver na clandestinidade. Foi morar na Tchecoslováquia em 1972, e, em 1974, ao voltar ao Brasil, foi preso no RS junto com José Roman. Desde então se encontra desaparecido.

Walter Ribeiro de Souza, Mineiro, jornalista, e dirigente do Partido Comunista Brasileiro (PCB). A data e local de sua morte e desaparecimento foi em 3 de abril de 1974 em São Paulo.

José Roman nasceu em Jaú, cidade do Estado de São Paulo. Metalúrgico, militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB), desaparecido em 19 de março 19 de 1974, quando foi buscar David Capistrano da Costa em Uruguaiana (RS).

Celso Gilberto de Oliveira, militante da VPR, nasceu em Porto Alegre (RS), desaparecido desde 1970, aos 25 anos de idade. Corretor de imóveis.

Maurício Guilherme da Silveira, integrante da VPR (Vanguarda Popular Revolucionária), acusado pelos órgãos de segurança de terem participado de várias ações armadas, inclusive dos sequestros dos embaixadores alemão e suíço. Maurício tinha 20 anos e era estudante secundarista.

Gerson Theodoro de Oliveira era negro e estudante secundarista em São Paulo. Trabalhou como auxiliar de escritório. Fora funcionário da CSN - Companhia Siderúrgica Nacional, obrigado a abandonar o emprego por perseguição política. Desde então, passou a viver na clandestinidade.

Ivan Motta Dias, líder estudantil presbiteriano foi preso em 1971, aos 28 anos e desapareceu. Sua prisão aconteceu por Ivan ter participado do XXX Congresso da UNE (União Nacional dos Estudantes) em Ibiúna, SP, e depois condenado a 8 anos de prisão por ser integrante do Partido Comunista Brasileiro (PCB).

Aluísio Palhano Pedreira Ferreira, militante da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). Desaparecido aos 49 anos de idade.

Heleni Telles Ferreira, militante da VPR, professora, teatróloga, desaparecida política desde 1971. Cursou a Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo (USP).

Walter Ribeiro Novais, baiano, trabalhava como salva-vidas. Militava na Vanguarda Popular Revolucionária e desapareceu logo depois de sua entrada na casa da morte em 1971.

José Raimundo da Costa, militante da VPR, ex-sargento da marinha. Importante dirigente entre 1970-1971 conhecido como “Moisés”.  Participou de várias ações armadas, inclusive do sequestro do cônsul japonês em São Paulo.

Mariano Joaquim da Silva, operário, participou das organizações: Ligas Camponesas, Partido Comunista Brasileiro, Partido Revolucionário dos Trabalhadores, VAR-Palmares. Desaparecido em 1971 após passagem pela casa da morte.

Carlos Alberto Soares de Freitas, (codinome Beto) amigo e ex-comandante da ex-presidenta da República Dilma Vana Rousseff, nos tempos que a mesma militava na VAR-Palmares, organização de luta armada que atuou no início dos anos 70.

Antônio Joaquim Machado, advogado, militava na Vanguarda Armada Revolucionária Palmares e desapareceu em 1971 após passar pela casa da morte em Petrópolis.

Paulo de Tarso Celestino Silva, advogado, dirigente da Ação Libertadora Nacional (ALN), desaparecido desde 1971 após passar pela Casa da Morte de Petrópolis.

Ana Rosa Kucinski era química e professora no Instituto de Química da USP. Militava na Ação Libertadora Nacional (ALN), desapareceu em 1974.

Wilson Silva (marido de Ana Rosa), físico formado pela USP, especializado em processamento de dados. Trabalhava na empresa Servix e militava na Ação Libertadora Nacional (ALN).

Marilene Vilas-Boas, militante do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8), morreu aos 22 anos. Estudante de Psicologia na Universidade Santa Úrsula, cursando até o 2º ano, quando em 1969, por sua participação no movimento estudantil foi obrigada a viver na clandestinidade. Inicialmente militou na ALN e, posteriormente, ligou-se ao MR-8.

Victor Luiz Papandreu militou no Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT).

Rubens Paiva, engenheiro civil, ex-deputado federal, desaparecido em 1971, militava no Partido Trabalhista Brasileiro (PTB).

Thomaz Antônio da Silva Meireles Neto, Thomaz era formado em filosofia pela Universidade de Moscou Lomonosov e desapareceu logo após a sua prisão, em maio de 1974, no Leblon, Zona Sul do Rio. Ele era dirigente da Ação Libertadora Nacional (ALN), mas já havia participado do Partido Comunista Brasileiro (PCB). Sua morte foi confirmada pelo general Adyr Fiúza de Castro, em 1979.

Issami Niura Okani militou na Ação Libertadora Nacional e desapareceu após passagem pela casa da morte.

A Casa da Morte até hoje se encontra em propriedade privada. Ainda hoje, mesmo sabendo que tais acontecimentos ocorreram em seu interior com a suspeita de que o quintal possa ter até hoje pedaços de corpos enterrados, seus ocupantes conseguem dormir a noite.

Neste novo século, bem depois do período de transição democrática, sob o ar de "democracia", houveram diversas campanhas promovidas pelo CDDH-Petrópolis (entidade que hoje possui 37 anos de trajetória em defesa da vida, e que nas últimas duas décadas trabalha pela desapropriação da casa da morte), e apoiadas por diversos grupos e instituições da sociedade civil, exigindo dos poderes públicos de ambas as esferas, municipal, estadual e nacional, a desapropriação deste espaço, para que seja construído de forma coletiva e com participação popular um Centro de Memória Verdade e Justiça.

Com diversos movimentos, atos-manifestações, participação de coordenadorias, secretarias, parlamentares, partidos políticos e juventudes de esquerda, sob o decreto municipal Nº 966 de 23 de agosto de 2012, declara o imóvel de utilidade pública, para fins de desapropriação.

Tal promulgação foi feita considerando que "...a necessidade de desagravar a memória de nossa cidade, que no período dos anos cinzentos da história desse país, conviveu veladamente com a triste e brutal violação dos direitos de cidadania.”.

Até hoje, em 2017, ainda não possuímos resultado real sobre a transformação do local conhecido como Casa da Morte num 'Centro de Verdade, Memória e Justiça'.

As etapas de memória e verdade já se encontram em andamento realizadas por diversas pesquisas como as da extinta Comissão Nacional da Verdade (CNV), da Comissão Estadual da Verdade do Rio de Janeiro (CEV-RIO), do Centro de Defesa dos Direitos Humanos de Petrópolis (CDDH), e daComissão Municipal da Verdade de Petrópolis (CMV).

Devemos partir para o aprofundamento do pedido de JUSTIÇA. Diversos países que sofreram ditaduras já se encontram em processos de julgamento dos crimes realizados. O Brasil, ainda hoje, não julgou os criminosos do porão da ditadura por da base na lei de Anistia. O nosso país somente conseguirá virar esta página da história após conseguirmos, através de muita luta e mobilização popular, julgarmos todos aqueles que estabeleceram aqui um período sombrio, seja começando a julgar os militares, os Estados Unidos e ou os empresários da época.

Pela abertura imediata de todos os arquivos ainda secretos da ditadura!

Para que não se esqueça. Para que nunca mais aconteça!

O povo brasileiro quer justiça!

Ditadura Nunca Mais!

 

 

*Estudante de História da Universidade Católica de Petrópolis, militante da União da Juventude Comunista e pesquisador do Centro de Defesa dos Direitos Humanos de Petrópolis.

ºArtigo elaborado com material e documentação interna do Centro de Defesa dos Direitos Humanos de Petrópolis.

 

Fonte: Centro de Defesa dos Direitos Humanos de Petrópolis

Disponível: http://www.cddh.org.br/p/a-casa-que-ainda-atormenta-a-historia-de-petropolis/

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