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Livro do repórter Rubens Valente investiga mortes de indígenas durante a ditadura civil-militar

  • Publicado: Segunda, 27 de Março de 2017, 15h21
  • Última atualização em Segunda, 27 de Março de 2017, 15h21

Uma gripe aparentemente inofensiva matou várias índios, o que sugere que os contatos eram feitos sem o planejamento adequado

No jornalismo só há uma profissão: a de repórter. Editores e redatores não são profissões, e sim cargos. Se algum dia, o repórter passar a acreditar que sua profissão é ser editor, única e exclusivamente recebendo textos para organizar e, às vezes, maltratar, então adeus: terá decretado sua morte profissional e, mesmo, poderá se aposentar, ou melhor, estará aposentado.

Pois Rubens Valente, da “Folha de S. Paulo”, homem do presente e não do passado, é, acima de tudo, “o” repórter, um senhor repórter. Mas não raro, como tem ocorrido noutros países, como os Estados Unidos, o repórter percebe que algumas de suas investigações não cabem mais apenas nas páginas de jornais e, por isso, merecem figurar no formato de um livro. O que parece uma reportagem espichada, é, na verdade, uma reportagem ampla que não coube nos jornais (com a internet, o quadro muda um pouco, mas o formato livro ainda é o que mais agrada aos leitores, que estão por aí, à espera de boas coisas para ler).

O livro “Operação Banqueiro” (Geração, 464 páginas), no qual se rastreia a fabulosa história do indefectível Daniel Dantas e histórias correlatas, alcançou um imenso sucesso. É jornalismo de primeira linha e, dirá um pesquisador atento, um registro histórico a respeito de um momento “x” do capitalismo brasileiro. Não se deveria lê-lo, portanto, tão-somente como denúncia. Vale percebê-lo como um comentário brilhante — mais do que uma análise do ponto de vista do economista — a respeito da política e da economia de um país que se tornou potência, mas se comporta, por vezes, como se fosse uma província de segunda categoria.

O lance de Daniel Dantas era grande, possivelmente continue grande, apesar dos traços provincianos. O repórter capta isto à perfeição e os historiadores vão, adiante, agradecê-lo pela apresentação praticamente de fontes primárias. Quer dizer, o livro é um documento, e não, insista-se, uma mera denúncia. Tanto que chegou a ser contestado, especialmente por Daniel Dantas, mas não desmentido. A verdade rende dores — de cabeça e, às vezes, processuais. Mas é um prazer, para o leitor, a leitura de um livro atento, de certo modo “fechado” e não panfletário, com qualidade acima da média. Rubens Valente é um repórter, e não um cruzado ideológico.

Incansável, mesmo trabalhando na redação, produzindo reportagens para o dia a dia ou textos especiais, Rubens Valente está de volta às livrarias, com o livro “Os Fuzis e as Flechas — História de Sangue e Resistência Indígena na Ditadura” (Companhia das Letras, 480 páginas). Frise-se que não li a obra, exceto um texto, de autoria do repórter, publicado na “Folha de S. Paulo”. Neste texto, que me atraiu para a leitura do livro, conta-se a história de contatos de homens da cidade, os especialistas, com índios (termo não apropriado, diria Flaubert, mas do qual não há mais como escapar) que não mantinham contatos com a (ex-)chamada “civilização”. Apesar das boas intenções, os homens urbanos levaram a peste à tribo. Uma gripe, que parecia inofensiva, matou vários indígenas. Uma história dolorosa, e muito bem contada, porque, além de apurar bem, Rubens Valente tem prosa e fluência de escritor, bom contador de história que é.

A seguir, uma síntese fornecida pela editora do livro: “‘Os Fuzis e as Flechas’ é uma investigação jornalística que descreve centenas de mortes de indígenas durante a ditadura militar no Brasil (1964-1985). Durante um ano, o autor entrevistou oitenta pessoas, entre índios, sertanistas, missionários e indigenistas, percorreu 14 mil quilômetros de carro, esteve em dez Estados e dez aldeias indígenas do Amazonas, Mato Grosso do Sul e Minas Gerais. Além de se valer de milhares de páginas coletadas em arquivos de Brasília, São Paulo e Rio, o livro traz à tona registros inéditos de erros e omissões que levaram a tragédias sanitárias durante a construção de grandes obras, como a rodovia Transamazônica, que cruzou a Amazônia de leste a oeste. Denso e fluente, repleto de informações desconhecidas, este livro é a mais completa pesquisa já realizada sobre o assunto”.

Como às vezes digo, eis um livro para figurar nas nossas listas de leitura penelopianas (são feitas e desfeitas com frequência).

Fonte: Jornal Opção, 25/03/2017

Disponível: http://www.jornalopcao.com.br/colunas-e-blogs/imprensa/livro-reporter-rubens-valente-investiga-mortes-de-indigenas-durante-ditadura-civil-militar-90283/

 

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