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A ditadura, os estudantes e os trabalhadores

Quando se instaurou, em 1964, a ditadura contou com amplo apoio social, manifestado através das Marchas da Família, com Deus e pela Liberdade e pela adesão de importantes lideranças e instituições nacionais.

No entanto, teve que se haver, e reprimir, importantes segmentos, partidários do Governo Constitucional João Goulart e do Programa das reformas de base.

Os trabalhadores urbanos, principalmente os vinculados às atividades empreendidas pelo Estado, grandes protagonistas dos movimentos sociais e das greves no período anterior, entre 1961-1964, sentiriam o maior peso da repressão desencadeada imediatamente após o golpe. Centenas de sindicatos sob intervenção. Lideranças presas, em fuga ou exiladas.

O primeiro governo ditatorial preferiu, no entanto, preservar as estruturas sindicais corporativistas, herdadas do Estado Novo varguista por funcionais ao controle estatal.

Foi no interior delas, aproveitando-se de brechas legais, que se deu uma primeira rearticulação do movimento sindical urbano que, em 1968, realizou, algumas greves, as principais nas cidades de Osasco (São Paulo) e Contagem (Minas Gerais). Foram duramente reprimidas, os sindicatos envolvidos foram fechados e suas lideranças foram presas e perseguidas.

A partir daí, a ditadura estimularia velhas e novas lideranças de trabalhadores a terem dos sindicatos uma concepção meramente assistencialista.

A partir de 1967, o País passaria por um grande crescimento econômico, mas a ditadura manteve, desde seu início, uma política extremamente restritiva – e repressiva - em relação aos salários – o arrocho salarial. O descontentamento gerado por esta política acabaria ensejando atividades e lutas de resistência e protesto que desembocariam nos grandes movimentos sociais iniciados em 1978, em São Bernardo do Campo e nas cidades da periferia de São Paulo, o ABC (Santo André, São Bernardo e São Caetano).

Em relação ao sindicalismo rural, crescente e muito ativo no período anterior a 1964, a ditadura reprimiu duramente os sindicatos e as ligas camponesas que mais se destacavam na luta pela reforma agrária, prendendo e matando lideranças envolvidas. Num momento seguinte, porém, como fizera em relação aos sindicatos urbanos, manteve o desenvolvimento do sindicalismo rural, estimulando sua vocação assistencialista, no quadro de uma proposta de paz social. De sorte que, em fins dos anos 1970 quando se encerrou a ditadura o sindicalismo rural, do ponto de vista das suas estruturas organizativas, estava mais forte do que nunca.

Em relação aos estudantes universitários, destacado ator político, sobretudo nos anos de 1967 e 1968, as coisas se passaram de modo mais complexo. As classes médias e suas entidades mais representativas, de onde eram provenientes tais estudantes, apoiaram maciçamente a instauração da ditadura. Somente alguns pequenos núcleos estudantis se rebelaram e foram logo neutralizados. Entretanto, a ditadura e seus partidários adotaram para a universidade uma política de intolerância e repressão: incêndio do prédio da União Nacional dos Estudantes/UNE no dia seguinte ao golpe; fechamento e proibição das entidades representativas; inquéritos policial-militares dentro das faculdades que mais haviam se sobressaído nas lutas sociais anteriores ao golpe, o que suscitou oposições desde 1964. Com o passar dos anos, as lutas iriam crescendo, exprimindo em grande medida o desencanto com a ditadura. Em 1968, estas lutas alcançariam um auge, articulando-se com intelectuais e artistas inclusive com alguns que haviam apoiado o golpe e que agora se mostravam desiludidos em face dos desmandos da ditadura. Em junho de 1968 os estudantes e seus aliados realizaram a passeata dos 100 mil, ponto culminante deste processo. Depois daí a repressão desencadeou-se de forma brutal e o País também entrou numa fase de desenvolvimento econômico e euforia patriótica, diminuindo radicalmente as margens de luta. No início da segunda metade dos anos 1970, porém, alguns núcleos estudantis já se rearticulavam e a partir de 1977 desempenhariam um papel importante na luta pela anistia e no apoio aos movimentos sociais do ABC paulista. Entretanto, nunca mais conseguiriam readquirir o relevo que foi o seu em 1968.

Numa abordagem panorâmica das relações entre a ditadura, os trabalhadores e os estudantes, pode-se caracterizar três grandes momentos: um primeiro, depois da vitória golpista, um tempo de desmoronamento de referências e de repressão, um segundo marcado pelo ano de 1968, onde despontaram lutas, cedo neutralizadas. Mais tarde, no ocaso da ditadura contribuindo para o seu fim, e mudando em grande medida os dados das tradicionais equações políticas, grandes movimentos sociais de trabalhadores urbanos, nucleados pelas greves do ABC a partir de 1978.

Matéria de reflexão é a permanência da estrutura sindical fundada por outra ditadura, a do Estado Novo. A ditadura instaurada em 1964 a manteve e foi do seu interior que surgiriam os movimentos sociais mais importantes a partir de fins da década de 1970 e ao longo dos anos 1980.

Autoria: Daniel Aarão e Denise Roolemberg

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