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A importância do jornal Versus, publicado durante o regime militar

  • Publicado: Segunda, 07 de Mai de 2018, 09h53
  • Última atualização em Segunda, 07 de Mai de 2018, 12h26

Laura Capelhuchnik    03 Mai 2018   (atualizado 04/Mai 20h07)

Periódico que circulou na década de 1970 denunciava regimes autoritários na América Latina por meio de narrativas de ficção, quadrinhos, pinturas e poesia. Acervo foi digitalizado e está on-line

Foto: Jornal Versus/Reprodução

 

Ilustração da capa da primeira edição do jornal Versus, lançado em 1975 

Em 1975 começava a ser produzido, no porão de um sobrado em São Paulo, o jornal Versus, dedicado a narrativas que retratassem o presente e o passado da América Latina e à resistência ao regime militar no Brasil.

A publicação foi fundada pelo jornalista gaúcho Marcos Faerman e, além de reportagens, apresentava textos de ficção, fazendo denúncias por meio de metáforas culturais e históricas. Versus contava histórias míticas de heróis de esquerda e lutas populares ocorridas em diversas épocas: dos conquistadores europeus aos regimes autoritários que ocorriam na maior parte da América Latina na década de 1970. 

As edições reuniam narrativas sobre líderes históricos, como Simón Bolívar e San Martín, figuras centrais na independência das colônias espanholas da América, e textos de autores contemporâneos, como Pablo Neruda, Gabriel García Márquez, Eduardo Galeano e Julio Cortázar, além de quadrinhos, pinturas, fotografia e poesia.

“E penso: por cima dos anos e da dor acumulada. Quiseram arrancar-lhe as raízes. Quiseram esvaziar-lhe a memória. Ninguém pôde nada contra tanta formosura e tanto poder de resistir."

Eduardo Galeano
“América”, conto publicado na 5ª edição do jornal Versus

Circulavam pela redação artistas plásticos, escritores, jornalistas e atores. Entre os colaboradores estavam os jornalistas Caco Barcellos e Toninho Mendes, coautor do projeto gráfico; os veteranos Eric Nepomuceno, Fernando Morais e Márcio Souza; e nomes que mais tarde seriam muito conhecidos, como José Miguel Wisnik e Maurício Kubrusly. Os cartunistas Chico e Paulo Caruso, Angeli e Luiz Gê também participaram do projeto.

Além de sede do jornal, o sobrado em São Paulo foi local de acolhimento de jornalistas e militantes que chegavam de outras cidades ou países, das reuniões do MNU (Movimento Negro Unificado) e da redação do jornal feminista Nós Mulheres.

Versus, que era bimestral, começou a ser distribuído em algumas bancas em São Paulo. Também era vendido de mão em mão pelos próprios jornalistas. Entre julho e novembro de 1977, em sua melhor fase, chegou a vender 35 mil exemplares por edição.

Os 24 números publicados sob a direção de Marcos Faerman estão disponíveis no site que reúne a obra do jornalista. O fundador deixou o jornal em 1978, quando a linha editorial, de esquerda mas apartidária, foi modificada para atender aos interesses da organização trotskista Convergência Socialista, que assumiu o comando da publicação. Descaracterizado, o jornal teve suas atividades encerradas no ano seguinte.

As linguagens revolucionárias

No livro “Jornalistas e Revolucionários”, o jornalista Bernardo Kucinski diz que Versus foi, “ao mesmo tempo, uma alternativa de linguagem, de organização da produção jornalística e de proposta cultural”. 

O jornal ganhou destaque na imprensa alternativa também pela proposta estética. Tinha capas fortes e coloridas impressas em papel couchê e apresentava uma diagramação que propunha rupturas. Fotos e ilustrações, que comumente desempenhavam papel secundário na imprensa, eram parte essencial da publicação.

Segundo Kucinski, o projeto gráfico inspirava beleza, mas também tensão e angústia. “É como uma tortura jornalística, a lembrar o leitor de que uma outra tortura real está acontecendo naquele instante em todo o continente.”

Foto: Jornal Versus/Reprodução

 
Ilustração de Bruno Liberati para o texto "Estes olhos viram 7 sicilianos mortos", de Gabriel García Márquez, veiculado na segunda edição do jornal Versus

 

O jornal também foi inovador na criação de uma seção dedicada a questões dos negros no Brasil e no mundo, a Afro-Latino-América. Segundo a jornalista Neusa Maria Pereira, fundadora do Movimento Negro Unificado de São Paulo e colaboradora do jornal, a seção veiculada pela primeira vez em 1977 reviveu a imprensa negra em São Paulo.

Entre as influências de Faerman para a confecção de Versus estavam a publicação semanal Marcha, fundada no Uruguai, em 1939, por Juan Carlos Onetti, e a revista argentina Crisis, lançada por Eduardo Galeano em 1974. O gaúcho considerava Versus uma continuação das duas publicações, por meio das quais conheceu muitos dos futuros colaboradores do jornal brasileiro e também líderes latino-americanos que inspiraram suas narrativas.

Quem foi Marcos Faerman, fundador do Versus

Foto: Reprodução

 
O jornalista Marcos Faerman

 

Nascido em Rio Pardo, no interior do Rio Grande do Sul, no ano de  1943, Marcos Faerman era descendente de imigrantes russos que se estabeleceram no país no início do século 20.

Foi líder da juventude estudantil comunista na adolescência, quando já morava em Porto Alegre, e iniciou a carreira jornalística aos 17 anos no jornal gaúcho Última Hora.

Foi membro do PCB (Partido Comunista Brasileiro) e participou da fundação do POC (Partido Operário Comunista). Trabalhou por mais de 20 anos na redação do Jornal da Tarde, em São Paulo. Em 1974, recebeu o Prêmio Esso na categoria Informação Científica pela reportagem “Nasceu! Exclusivo: acaba de nascer o primeiro brasileiro do parto Leboyer”.

Faerman ficou conhecido pelo trabalho jornalístico com contornos de narrativa literária. Além da longa trajetória em grandes redações, foi figura central na produção da imprensa alternativa durante o regime militar. Esteve à frente do jornal Versus e foi correspondente em São Paulo do jornal carioca O Pasquim.

Também ajudou a criar o jornal Ex-, inspirado em publicações estrangeiras e em jornais populares brasileiros, e contribuiu com a revista Shalom, publicação judaica independente, progressista e pacifista.

Foi professor de jornalismo interpretativo da Faculdade Cásper Líbero entre 1996 e 1999, ano em que morreu, vítima de um ataque cardíaco.

Fonte: NEXO, 04/05/2018
Disponível em: https://www.nexojornal.com.br/expresso/2018/05/03/A-importância-do-jornal-Versus-publicado-durante-o-regime-militar

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