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Volkswagen do Brasil ajudou a perseguir e prender oponentes políticos da ditadura

  • Publicado: Terça, 17 de Outubro de 2017, 12h58
  • Última atualização em Terça, 17 de Outubro de 2017, 12h59

Segundo o historiador Christopher Kopper, dez funcionários foram presos com base em informações da Volkswagen


por GUILHERME BLANCO MUNIZ

 

17/10/2017 10h59 - atualizado às 11h01 em 17/10/2017
Funcionários da Volkswagen na linha de montagem do Fusca (Foto: Volkswagen do Brasil)

 

Há cerca de um ano, o historiador alemão Christopher Kopper, da Universidade de Bielefeld (Alemanha), foi contratado pela sede da Volkswagen para investigar “o papel do Grupo Volkswagen durante a ditadura militar no Brasil”, conforme a própria empresa anunciou. Algumas semanas atrás, Kopper finalizou suas pesquisas e entregou o documento aos executivos da montadora na Alemanha. As conclusões do relatório, no entanto, não são nada boas para a montadora: “Foi surpreendente descobrir que a Volkswagen, assim como outras multinacionais no Brasil, atuou junto à ditadura militar e se envolveu ativamente na perseguição de opositores políticos da ditadura. A Volkswagen fazia relatos ao DOPS e ajudou a perseguir e prender oponentes políticos da ditadura”, adianta Kopper em entrevista exclusiva à Autoesporte.

Até agora, a montadora não se pronunciou oficialmente sobre o relatório, que segue em sigilo até novembro, quando será feita a apresentação pública oficial. O parecer final tem 125 páginas e revela documentos obtidos pelo professor em arquivos públicos e da própria empresa. Além da conclusão sobre o envolvimento da Volkswagen com o governo militar, Kopper sugere ações que podem ser tomadas como forma de reparação às vítimas e suas famílias. “Eu fiz algumas recomendações ao board da Volkswagen sobre o que eles podem fazer e, claro, eu recomendo que a empresa se desculpe aos seus funcionários e busque fazer algum tipo de compensação. Eu acredito que eles estão buscando formas de compensar essas pessoas”, diz.

Dez funcionários presos

Com base nos documentos localizados especialmente na sede da Volkswagen em Wolfsburg (Alemanha), Kopper conclui que dez trabalhadores da Volkswagen do Brasil foram presos e torturados entre 1972 e 1978. A empresa teria colaborado com essas investigações, repassando informações sobre os funcionários ao governo militar desde 1969. “A Volkswagen cedeu informações sobre alguns de seus funcionários para a polícia política e essas informações ajudaram a perseguí-los e prendê-los. Eles foram presos, levados à prisão no centro de São Paulo e ao menos um deles foi torturado e interrogado. Seis deles foram condenados à prisão por dois anos”, afirma. Segundo ele, a cooperação feita pela Volkswagen foi voluntária.

A contribuição da montadora teria consistido em informar às autoridades sobre funcionários que potencialmente seriam opositores do regime militar. A partir disso, eles teriam sido investigados antes de serem presos e torturados. “Ao menos um deles foi torturado e interrogado pela polícia política. Eu não sei exatamente o que aconteceu aos outros companheiros de cela, mas eles também foram torturados”, afirma.

Dr. Christopher Kopper (Foto: Volkswagen)
 

Entre os documentos analisados, há registros de “incidentes” como apreensão de “material subversivo de propaganda e panfletos nos banheiros e armários da fábrica”. Os casos se concentram na fábrica de São Bernardo do Campo (SP). Inaugurada em 1959, é a primeira linha de produção da empresa fora da Alemanha. “Eu não tenho conhecimento se a Segurança Industrial da Volkswagen abria os armários dos funcionários ou se eles autorizavam a abertura dos armários, mas ao menos eles entravam nos banheiros e procuravam materiais de propaganda”, explica.

Para o historiador, a pesquisa é importante para que “as empresas estrangeiras, especialmente as alemãs, que investiram no Brasil, saibam que investimentos em ditaduras podem ser politicamente difíceis e problemáticos”. Além disso, ele diz esperar que seu trabalho ajude os brasileiros a “entenderem melhor as consequências de uma ditadura militar”. “Esse relatório também deve ajudar os que foram perseguidos pela ditadura a conquistar algum tipo de compensação pelo sofrimento pelo que passaram”, afirma.

"estamos tentando tratar com transparência esse assunto"

Enquanto não divulga o relatório final, a Volkswagen promete que vai tratar do assunto com transparência. "Nós temos uma atitude muito aberta, nós estamos tentando tratar com transparência esse assunto. É uma coisa muito difícil que aconteceu 45 anos atrás", diz David Powels. O executivo comandou a VW do Brasil até a última semana, antes de ser transferido para o comando da empresa na China, e respondeu a questões sobre a investigação durante uma entrevista exclusiva à Autoesporte enquanto ainda estava no cargo.

Ele, porém, se recusou a antecipar se a empresa irá propor algum tipo de compensação às famílias das vítimas. Segundo Powels, a filial brasileira ainda aguarda a análise de documentos oficiais.

Apesar de tratar como natural os questionamentos sobre o envolvimento da empresa com a ditadura brasileira, Powels lamenta que apenas a Volkswagen seja alvo das investigações. "Tem várias outras companhias no Brasil na mesma situação, mas infelizmente só a Volkswagen dá imprensa, as outras companhias não tem grande visibilidade. Eu não sei porque a Volkswagen sempre tem toda essa visibilidade, talvez por ser a maior companhia da Alemanha, eu não sei. Mas nós vamos tratar com transparência, ninguém aqui na nossa companhia está tentando esconder essa história", afirma.

Envolvimento de outras empresas e montadoras

Apesar de ter sido encomendado ao professor que investigasse apenas o papel da Volkswagen no período, Kopper afirma ter localizado documentos que apontam atuação semelhante de outras montadoras. “A segurança industrial de grandes corporações, como General Motors, Ford, Volkswagen e Chrysler, criou listas negras de funcionários considerados opositores do regime. A cooperação dessas empresas não chegou ao mesmo nível da Volkswagen, mas é possível dizer que outras empresas também colaboraram com a ditadura brasileira e com a polícia política”, diz.

As montadoras teriam sido as empresas com participação mais importante na criação das chamadas “listas negras”, mas outras empresas da indústria metalúrgica também contribuíram incluindo nomes de seus funcionários. Essas listas contavam com nomes de funcionários tidos como opositores do governo para dificultar sua contratação por empresas alinhadas aos militares.

Linha de produção da Volkswagen nos anos 70 (Foto: Volkswagen)
 
 

Esta é a primeira vez que um relatório feito a pedido da empresa relaciona sua atuação com este período da história brasileira, mas documentos da Comissão Nacional da Verdade (CNV) já haviam ligado a Volkswagen à ditadura. Em seu relatório, a comissão conclui que havia um “padrão de monitoramento, controle e repressão fabril altamente complexo”, que contava com “divisão de recursos humanos, de segurança patrimonial e outras, sob o comando do Estado, articulando-se regionalmente e compondo uma rede estatal-privada destinada a conter, disciplinar e reprimir, para obter maior rendimento no trabalho, operários e operárias”.

Documentos analisados pelo grupo também apontam o envolvimento da montadora no Centro Comunitário de Segurança (CECOSE), formado por representantes de empresas com o objetivo de compartilhar informações sobre as atividades dos trabalhadores. Para os integrantes da CNV, o Cecose “contribuiu para aprofundar a colaboração entre o empresariado e o regime militar”. Um dos documentos deste grupo, datado de 18 de julho de 1983, aponta que um “representante da empresa Volkswagen expôs os assuntos mais importantes em reunião, apresentando anotações, em forma de ‘lembretes’”.

Kopper e a Volkswagen

Kopper garante que o fato de conduzir a pesquisa a pedido da montadora não interferiu no resultado de seu trabalho. “A Volkswagen decidiu que essa parte de sua história deveria ser analisada por um historiador independente. A minha pesquisa é completamente independente e o relatório final será publicado em alemão e português”, explica. Ele é professor de história, filosofia e teologia da Universidade de Bielefeld e em outubro de 2016 foi convidado pela Volkswagen para assumir a investigação.

Esta não é a primeira vez que a montadora solicita uma pesquisa sobre seu passado em períodos conturbados da história. Outros historiadores foram responsáveis por pesquisas sobre as relações da empresa com o nazismo e sobre o uso de escravos em suas instalações.

Fonte: Auto Esporte, 17/10/2017

Disponível: http://revistaautoesporte.globo.com/Noticias/noticia/2017/10/volkswagen-do-brasil-ajudou-perseguir-e-prender-oponentes-politicos-da-ditadura.html

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