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Desaparecidos políticos

Jeanne Marie Gagnebin, apoiada em Jean-Pierre Vernant, lembra como o canto poético em Homero tinha a função de manter viva a memória dos heróis e suas façanhas, assim como a estela funerária a memória dos mortos. Não por acaso, em grego, a mesma palavra sèma designa túmulo e signo. Nesse sentido, um e outro têm lugar na luta contra o esquecimento dos que passaram, dos que não serão conhecidos pelos que ainda não nasceram. Ambos,o túmulo e a palavra, desempenhariam importante papel no trabalho de luto. Através dele, é possível lidar com a morte, superar a perda, sem que o passado tiranize o presente e impeça que os vivos vivam suas vidas, aprisionados na lembrança dos mortos.

O regime civil-militar instaurado em 1964 levou à morte 380 pessoas, entre as quais 147 desaparecidos, termo usado para se referir àqueles cujos corpos jamais foram entregues às famílias. Esse é o número, até o momento, registrado pela “Comissão de familiares de mortos e desaparecidos políticos.” O empenho das famílias no sentido de localizá-los e dar-lhes um túmulo é a tentativa de materializar um lugar para a ausência, é o combate contra o esquecimento e pela possibilidade de, enfim, elaborar o luto.

Em 1969 e 1971, desapareciam os dois líderes revolucionários mais destacados que combateram a ditadura: Carlos Marighella e Carlos Lamarca, respectivamente. No centro de São Paulo e no interior do sertão da Bahia, caçados como bichos. Cão, Lobo, Leão, Tigre, Onça, Águia, nomes das equipes dos órgãos da repressão que perseguiram Lamarca e Zequinha, seu companheiro na guerrilha, na fuga, na morte.

A maior parte dos mortos e desaparecidos da ditadura lutava por projetos revolucionários, que iam do nacionalismo ao socialismo e foi assassinada nas dependências dos órgãos de repressão e/ou de informação do Estado, inclusive das Forças Armadas, após serem submetidos à tortura. Como política deliberadamente assumida pelo Estado, a tortura foi praticada para se obter informações que levassem à desarticulação de organizações políticas - revolucionárias ou não - de oposição ao regime. Após 1973, ano crítico da luta armada em meio aos militantes mortos, desaparecidos, presos, exilados, a ditadura, acima da lei e violando os direitos humanos mais elementares, condenou à morte arbitrariamente os que fossem, a partir de então, presos. Desaparecidos os corpos, desapareciam os rastros da tortura: o reino da barbárie, que a pratica e apaga os seus registros para o presente e o futuro. Aí onde estão muitos dos desaparecidos.

Ao fim da ditadura, a memória construída do tempo presente encontrou na expressão porões da ditadura não somente o lugar no qual os mortos desapareceram, mas, sobretudo, o apaziguamento de uma sociedade que transformava a zona cinzenta na qual esteve nesses anos, com seus muitos matizes e tons, num intransponível abismo a separá-la dos ditadores, fossem eles militares ou não. Teriam os mortos desaparecido nos subterrâneos daquele mundo? Na escuridão dos anos de chumbo?

Autoria: Daniel Aarão e Denise Roolemberg

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